quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Tiara Transparente

Roger Leon (2º período) para a edição 56 do Jornal Lince (outubro de 2013).

Nunca imaginei ter um irmão. Já fiz dezoito anos e apesar de meus pais serem jovens, nunca me passou pela cabeça ter outra pessoa morando em nossa casa. Brinquedos espalhados no chão, televisão ligada em desenhos animados, nada disso. Eis que escuto um grito no banheiro, corro até lá e minha mãe me mostra sem nem mesmo acreditar, um exame de gravidez. E o resultado: positivo.



Acompanhar a gestação foi a coisa mais gostosa; comprar tudo o que via pela frente, satisfazer todas as vontades da minha mãe (a grávida em questão), e lotar o médico de perguntas bobas foram algumas delas. Como toda família acredita no esotérico, fizemos o cálculo da lua para descobrir o sexo do bebê, sendo que o tal cálculo não dá errado com ninguém. Iríamos ter um menino em casa. Tudo ficou azul; paredes, roupas, brinquedos, berço e até o nome já estava definido: Rafael. Rafael ia ser cruzeirense, jogar videogame, assistir Ben 10 e ter todos os carrinhos e bonecos da loja (já tinha alguns inclusive). Chega o dia do ultrassom, em que o resultado já era mais do que uma certeza para todo mundo, e o doutor nos manda a bomba:

   Parabéns, você vai ter uma menina.

Todo mundo ficou feliz por ser uma menina, que, com certeza, seria mimada ao extremo. Centenas de roupas foram às lojas para serem trocadas. Começaram a chover sapatos femininos de presente sendo que, uma semana depois do resultado, duas gavetas já estavam cheias de sapatos e um guarda-roupa cheinho de vestidos. Não escondo que fiquei um pouco decepcionado. Como já havia traçado tantos planos, não gostei de ser contrariado — acho que esse é o efeito de ser mimado demais por dezoito anos consecutivos...


No dia 8 de agosto de 2013, às 21h33, nasceu Isabella. Eu assisti o parto. Fui a primeira pessoa a pegá-la no colo, coloquei uma tiara rosa na cabeça dela para que ela não fosse trocada e por medo de não reconhecê-la da próxima vez que fosse vê-la. Nessa hora, pensei: ''E se fosse menino, como eu iria fazer para marcá-lo? Não colocaria nele uma tiara nem que fosse azul'‘. Só depois pude perceber o quanto foi desnecessária aquela atitude. Afinal, só depois de ver aquele rostinho redondo e branquelo, foi que eu percebi que, no meio de cem crianças, eu reconheceria minha irmã de longe, mesmo que a tiara fosse transparente. Até porque, não se perde de vista tão facilmente a coisa mais importante que te aconteceu na vida.



Fotos: Roger Leon

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