segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A vida pinta o sete nessa praça

Coração de Belo Horizonte, praça mais famosa da capital, palco onde a vida é sempre mais ativa que a morte

Rafael Martins (4º Período) para a edição 56 do Jornal Lince (outubro de 2013).

Ponto de encontro. Reunião de cidadãos. Um lugar público, cercado de edifícios; conjunto das instituições comerciais e financeiras de uma cidade. Na verdade, seu coração. Pode-se definir também como espaço urbano livre de edificações, que proporciona convivência ou recreação aos cidadãos. Em Belo Horizonte, só uma praça reúne todas as características acima e ainda adiciona outras. Claro, estamos falando da Praça Sete, onde, torto, maltratado, mas, mais vivo do que nunca, palpita o coração da capital mineira.

Ponto de interseção de duas grandes avenidas da cidade — Amazonas e Afonso Pena —, com o nome original de Praça 14 de outubro (data referente a uma comissão que fazia estudos para instalação da nova capital), só em  1922, teve seu nome alterado para Praça Sete de Setembro, nas comemorações do centenário da Independência do Brasil. Um dos seus símbolos é o “Pirulito”, presente dos moradores da cidade vizinha Betim, em torno do qual gira outra face importante: a diversidade. Marco zero para encontros de manifestações políticas e comemorações de títulos dos clubes da cidade, a praça é de todo mundo e não é de ninguém. Ou, como já dizia um antigo compositor baiano, é do povo, como o céu é do avião.


CAFÉ COM POLÍTICA

Em 1963, a praça foi desfigurada, com a retirada do tradicional pirulito, que ficou até 1980 na Savassi. Hoje, no entorno dele, há importantes imóveis que contam a história de Belo Horizonte — o Cine Teatro Brasil, o antigo edifício do BEMGE (hoje, Posto de Serviço Integrado Urbano - PSIU) e até o famoso Café Nice, um dos redutos da praça, parada obrigatória de políticos em tempos de eleição. O café recebeu visitantes famosos, dos ex-presidentes Juscelino Kubitscheck, Tancredo Neves e Itamar Franco à cantora Emilinha Borba, estrela maior da Rádio Nacional, que lá passaram para tomar o famoso cafezinho e fazer média com o povo. Até uma de suas garçonetes, Ana Paschoal, se elegeu vereadora da capital mineira, em 1964. José Murta, aposentado com seus 87 anos bem vividos, frequenta o local há mais de três décadas.

— O lugar é ótimo, o estabelecimento mudou pra melhor e o café continua gostoso.

O curioso é que muitos aposentados se reúnem na porta do Café Nice para conversar e comercializar objetos pessoais e engraxar os sapatos. Aliás, os engraxates são outra presença marcante na praça, junto com os idosos, que, em um de seus quarteirões fechados, se reúnem para jogar damas. No meio da correria do centro, alguns ainda encontram paciência para jogar e, às vezes, nem percebem que o Café Nice agora fecha mais cedo. Por causa da violência.



O SOL E A SOMBRA

Que atire a primeira pedra o belo-horizontino que nunca ouviu os gritos de “Foto na hora, foto”; “Compro e vendo ouro e prata”; “Dentista!”; “Celular, compro, troco, acessórios” ao passar pelo quarteirão fechado das ruas Espírito Santo, Rio de Janeiro e Carijós. Margarete Aparecida, 50, trabalha no local há dois anos, desde que o marido a abandonou. Forçada a buscar emprego, mas com dificuldades, devido à idade, arrumou o de “ambulante”. Sua função é conseguir vendedores e compradores de ouro. Segundo ela, se ficar o dia inteiro na praça, dá pra tirar uma boa renda.

— O salário é fixo e não por comissão ao levar fregueses.

Margarete vai logo avisando que não fica o dia todo gritando. Primeiro, por não aguentar; e também “para não avacalhar uma loja de calçados da vizinhança”. E diz que nem o sol forte a incomoda.

— Eu adoro sol: mas, se uma hora o sol incomodar, vou pra onde tem sombra — conclui bem humorada.

TRIBOS E COMÉRCIO

O comércio na região é variado. Há uma diversidade enorme, que vai de lojas de calçados a pastelarias, restaurantes, fast food, farmácias, sebos, livrarias, passando por ambulantes que se misturam aos hippies e, mais recentemente, aos índios que hoje tomaram conta da praça para vender seu artesanato. O índio Taruãde, 23, da tribo Pataxó, saiu de Porto Seguro (Bahia) para vender as especialidades de sua terra aos mineiros e conseguir a fonte de renda para a aldeia Coroa Vermelha, onde vive.

— Na baixa temporada de Porto Seguro, nós viajamos para outras cidades e os mineiros compram nossas pulseiras, farinheiras, colares.

Vários estabelecimentos bancários funcionam no entorno da praça, onde fica também uma das galerias mais antigas e movimentadas da cidade, a Galeria Praça Sete, reduto das lojas que vendem discos e acessórios de rock e recebe grande afluência de jovens. Complementando a confusão, lojas de produtos evangélicos, motéis, o famoso Fórmula 1, loterias, estátuas vivas, bancas de revista, skatistas e desempregados se encarregam de botar mais lenha na fogueira, ou seja, de incrementar o movimento.


HIPPIE SÓ NO NOME

A agitação da principal praça mineira só parece não incomodar os hippies e seus fregueses que param para comprar colares e trançar os cabelos. Quem olha de fora pode até achar estranho, sem valor, mas para o hippie e artesão Edson Freitas Assis, eles estão “no ápice da transição do artesanato em Belo Horizonte”.

— Não estamos conseguindo expor nossas artes, já que não podemos expor na Feira Hippie, que de hippie só tem o nome...

Outro que parece não se incomodar com a agitação é o professor de matemática Willian Barbosa, que montou um quadro e ensina cálculos para quem tiver tempo de parar e aprender — é tudo de graça! Nem aos domingos, quando há calmaria no trânsito de pessoas e carros, por ser um dia mais tranquilo, a praça fica parada. O movimento Black Soul se reúne para dançar e mostrar seus passos, sua música e sua moda, cheia de cores e de vida.

No meio de tanta coisa boa, há pessoas que tentam desmoralizar a aparentemente caótica harmonia da praça. Há vendedores e consumidores de drogas, outros que vendem armas e, por ser um local de muita movimentação, há furtos. A segurança é feita por vários militares e guardas municipais, mas nem as câmeras conseguem inibir a criminalidade. E assim segue batendo o coração da cidade. Se as câmeras não inibem o crime, também não inibem a vida. Mais teimoso do que nunca, o coração da cidade não tem tempo de temer a morte.


Fotos: Rafael Martins

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