sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A gente não quer só comida...

A gente quer comida, diversão e arte, mas na região Noroeste fica difícil, pois quase não há investimentos e quem mais sofre com isso são os jovens

Rayza Kamke e Rodolpho Victor (4º e 2º períodos) para a edição 56 do Jornal Lince (outubro de 2013).

Entre as diversas regiões que compõem o município de Belo Horizonte, a Noroeste, que engloba os bairros do Caiçara, Pedro II, Aparecida, Adelaide, Ermelinda, Nova Esperança e Santo André, entre outros, é a mais populosa e representa 11,2% dos jovens na faixa etária de 15 a 29 anos, entre os 632 mil que fazem parte da população da cidade, hoje de aproximadamente 2.375.444 habitantes. Apesar da densidade populacional, trata-se de uma região de grandes desigualdades, em que os jovens das comunidades carentes se veem ainda mais prejudicados pelos poucos recursos que possuem para se incluírem nas pequenas opções.

A região tem um número muito grande escolas e um parque (Parque do Caiçara), mas quase nada em função do lazer e do esporte. Uma das poucas opções para os jovens ainda é o Shopping Del Rey, onde nada é de graça. Na área cultural, quase nenhum investimento. A região Noroeste é um espelho do que, a exceção da região Centro Sul, acontece em todas as demais. A psicóloga Sylvia Flores explica que o lazer bem executado, planejado e saudável é imprescindível para o equilíbrio emocional. De acordo com ela, se não houver momentos de lazer ou prazer, o ser humano acaba entrando em um processo de stress profundo, que pode gerar doenças psicossomáticas, ou simplesmente psíquicas, como agressividade exagerada ou impulsividade. “É necessário ter prazer para podermos ter um equilíbrio entre a vida cotidiana, do trabalho, dos estudos, e um bem-estar psicológico”, afirma.

Já o sociólogo Carlos Magalhães comenta que, mais do que uma forma de lazer, as atividades que envolvam arte e cultura são itens indispensáveis para a construção da identidade dos jovens, ainda mais em uma sociedade desigual, injusta e preconceituosa. Carlos salienta que os jovens necessitam de acessos mais fáceis a todos os tipos de expressão cultural e artística, até mesmo para a criação de suas personalidades. “O acesso a esses meios deveria ser facilitado de modo que os jovens pobres pudessem encontrar seu lugar no mundo de hoje, além das fronteiras simbólicas e materiais que estão colocadas”, explica.

Propostas oficiais

Belo Horizonte foi a primeira cidade brasileira a criar um Conselho Municipal da Juventude, decretado por lei em 1998 (lei 7551/98). O Conselho determina a finalidade de estudar, elaborar, discutir, aprovar e propor políticas públicas que permitam e garantam a integração e a participação do jovem na sociedade. Já a Coordenadoria Municipal da Juventude, por sua vez, visa promover a interlocução, o acompanhamento e a proposição de ações e políticas voltadas aos jovens belo-horizontinos. Após um período de inatividade, desde 2005, ambos voltaram a trabalhar neste ano, e juntos desenvolvem várias ações específicas voltadas ao público jovem.

O gerente da Coordenadoria da Juventude, Gelson Antônio Leite, informou ao Lince as propostas e projetos que a Prefeitura de Belo Horizonte oferece aos jovens da capital. Entre as novidades, se destaca o “Centro de Referência da Juventude”, que será um equipamento destinado aos jovens e terá sua inauguração prevista em maio de 2014. O Centro, que pretende atender de 500 a 800 jovens por dia, ainda constrói a proposta de projetos, mas proporcionará aos belo-horizontinos cursos profissionalizantes e ofertas de emprego, teatro de arena, estúdio de gravação musical, e até uma biblioteca digital e interativa.

Para as regiões carentes são idealizados os chamados “Fóruns Juvenis”, onde serão escolhidos locais de maior vulnerabilidade juvenil. A ação será realizada aos sábados, e levará aos jovens carentes as informações sobre o que a Prefeitura propõe. Um novo projeto também será inaugurado neste semestre, no Barreiro. O espaço revitalizado e reformado da antiga FEBEM se torna hoje o “Point Barreiro”, onde será realizada a “Estação Juventude”, local de atendimento e execução de oficinas, atendimentos aos jovens, e cadastramento aos programas da prefeitura. “Pretendemos expandir o “Estação Juventude” para todas as regionais”, completou Gelson. A respeito da falta de interatividade dos jovens nos programas ligados a Prefeitura, Gelson acredita que o acesso à informação e o descredito político podem interferir no interesse dos menores cidadãos.



Grêmio Mineiro

O clube de futebol Grêmio Mineiro, no Santo André, é presidido pelo ex-policial civil Wallace da Silva Araújo, e o aposentado Renato Adelino de Almeida. O clube, fundando em 1947, sobrevive graças ao esforço da comunidade. Da doação de bolas e equipamentos a uma máquina de lavar roupas e sofás para a sede, todo o projeto é movido pelo empenho dos presidentes e pela força da sociedade. Apenas para a manutenção de água e luz é cobrada uma taxa de R$ 60/hora para o aluguel do campo da agremiação.

Entre as atividades realizadas pelo clube, a escolinha de futebol é a principal, mas Wallace destaca que, na maioria das vezes, falta interesse das crianças. Reeleito para a presidência, desde 2010, ele e o amigo Renato afirmam que, muitas vezes, fazem papel de assistente social para os jovens mais agressivos ou necessitados. O motivo principal da escolinha é controlar os problemas que atingem os jovens da comunidade — a violência e o envolvimento com drogas.“O problema de falta de lazer é relativo, falta interesse”, afirma Wallace.

O presidente, às vezes, abre mão do aluguel da quadra, promove lanches comunitários e, ainda assim, não atrai a atenção dos jovens do Santo André. Em relação aos pais, Wallace observa que é pouca a presença de estímulo vindo dos mesmos, já que em reuniões propostas pelos presidentes do clube, apenas alguns se apresentam e têm consciência da vida ativa de seus filhos. “É preocupante, mas fazemos tudo o que podemos fazer”, lamenta.



Atleta Cidadão

O projeto renomeado “Atleta Cidadão” funciona desde 2005 e é administrado por José Santana, diretor de esportes e formação de atletas do clube Vila Nova, e atende jovens entre 11 e 16 anos de idade. Os treinos são de segunda a quinta, sendo terça e quinta para os mais novos, e segunda e quarta para os maiores. Mesmo sendo novo, o clube já participou de torneios como a “Taça BH”, “Copa Criança Esperança”, entre outras competições.

Os treinos, que são realizados em um campo colado ao Cemitério da Paz, são ainda esperança aos jovens que o frequentam, já que levaram Rafael Vítor, de 20 anos, para a categoria de base do Atlético-MG — hoje, ele é um dos destaques do Tupi-MG. Para participar do projeto basta contribuir com R$ 10 para a compra de bolas e redes. Mas, é imprescindível que o jovem seja frequente e tenha bom aproveitamento escolar. É bom ficar sabendo que os dados são passados diretamente das escolas ao treinador Santana — “a melhor herança para uma criança é a educação”, emociona-se.

O consumo e o lazer

As alternativas no Shopping Del Rey giram em torno de R$ 79 a R$ 90. Para os carentes, as opções, às vezes, são quase inacessíveis. Felipe dos Santos Fernandes, 18, estudante e morador do Caiçara, admite que a melhor escolha é a quadra de futebol, na Praça da Rosinha, na rua Rosinha Sigaud. Felipe, que vai diariamente se encontrar e jogar pelada com os amigos, diz que é grande o movimento de crianças e adolescentes, principalmente à noite. Lanchar com a turma na praça de alimentação do Del Rey também é uma opção, se sobra alguma grana — é que os lanches podem variar de R$ 15 a R$ 25!

Fernando Medeiros, psicólogo, confirma a falta de opções de lazer para o filho de 12 anos. Por isso, a opção é sair da rotina. “Levo meu filho e os amigos na Serra do Cipó, para andar de bicicleta e também jogar bola na pracinha”. Já para os menores João André Alves Santos, Gabriel Rabelo Couto e Emerson Lima, estudantes do 5º ano da escola Dimensão, é unanime a escolha pelas reuniões em casa dos amigos, onde costumam estudar, jogar futebol ou vídeo game.

Joseanne Santos e a amiga Priscila Gonçalves, 16, moradoras do Santo André, optam por um cinema, ou até mesmo se reunir com amigos em casa. Para elas, as garotas da região sofrem ainda mais que os meninos. “São poucas as opções; às vezes, decidimos ir a um shopping diferente, mas o Del Rey costuma ser o de mais frequência”, disse Joseanne, que costuma fazer um “cinema em casa” quando está sem dinheiro. O preço do cinema na região noroeste varia de R$ 9 a R$ 24, dependendo dos dias da semana, horários, e salas 3D.


Marcos Vinicius de Freitas Silva, de 13 anos, e Cleber Eduardo Meirelles, 14, alunos do 7º ano, moram na Nova Esperança e participam do projeto Atleta Cidadão. Eles fazem do futebol seu passatempo principal. Além do futebol, costumam ir algumas vezes ao inevitável Shopping Del Rey quando o parque de diversões Play City passa uma temporada por lá. Outra opção é o Boliche. Mas, aí, só quando recebem mesada dos pais. O Boliche se diferencia pelos dias da semana e horário, mas fica em torno de R$ 48,60 a R$79,20/hora. O bom é que dá pra fazer uma vaquinha: a pista pode ser dividida em até seis jogadores.

Fotos: Rafael Martins

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