sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Minha vida é andar por esse país...

Mas, nem sempre, o cartão postal que espera os migrantes tem os braços abertos na vida real: é mais comum ter a cara e os punhos cerrados

Rafael Martins (4º período) para a edição 56 do Jornal Lince (outubro de 2013).

“Se dizem que é impossível, eu digo: é necessário! Se dizem que estou louco, fazendo tudo ao contrário, eu digo que é preciso, eu preciso, é necessário seguir viagem, tirar os pés da terra firme”. Como diria a canção “Seguir Viagem”, da banda Engenheiros do Hawaii, é preciso seguir viagem, conhecer novos ares, mas será que isso se aplica à saga dos migrantes? Desde o início dos tempos, essa atividade, movida por objetivos distintos — econômicos, religiosos ou até mesmo por amor — a vontade de mudar leva multidões a viajar, sem, muitas vezes, saber aonde chegar.

No Brasil, as primeiras migrações datam do início da República. Com o fim do Ciclo da Cana de Açúcar, no nordeste, levas numerosas desceram em busca de promessas de uma vida melhor no Sudeste e no Sul do país, regiões que se industrializaram primeiro. Com as indústrias, veio também a expectativa dos novos empregos, de uma vida melhor, sem o fantasma da seca, que sempre afligiu os estados nordestinos. São Paulo sempre foi visto como o Eldorado dos migrantes, mas Minas Gerais, assim que começou também a se industrializar, passou a fazer parte da rota das grandes migrações.

PORTA DE ENTRADA

A falta de empregos na zona rural provocou o fenômeno do êxodo rural, a migração em massa do campo para a cidade. Ao chegar a Belo Horizonte, no entanto, o panorama que se descortina é outro: entre saudades de casa, a procura por um novo mundo mostra um caminho de sofrimento, da perda da identidade cultural, quando a grande cidade mostra para os que chegam sua face mais cruel. Uma situação que pode ser conferida diariamente na principal porta de entrada da capital, o Terminal Rodoviário.

O Plantão Social de Atendimento ao Migrante foi implantado em 2003 (inicialmente feito pelo Estado, mas, a partir de 2008, a Prefeitura assumiu a administração do Terminal Rodoviário). Seu objetivo é atender o indivíduo residente há menos de dois meses em Belo Horizonte e garantir que ele usufrua de benefícios que, em tese, são garantidos por lei. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, na área de embarque do terminal, mas se alguém por ventura chegar depois do horário de fechamento, os seguranças da rodoviária estão orientados a pedir aos migrantes para pernoitar em algum lugar e retornar na manhã seguinte ao atendimento. O problema é que nem sempre há lugar para o pernoite.

PASSAGENS E ABRIGO

É oferecido auxilio aos migrantes em situação de vulnerabilidade social ou àqueles que precisam de orientações quando desembarcam na capital. Segundo a assistente social Desirê Mourão, que coordena o plantão, a procura maior é por passagens e abrigo. De janeiro a agosto deste ano, o serviço prestou 4167 atendimentos, uma média de 650 por dia.

Neste mesmo período, 936 pessoas aproveitaram a concessão de passagens e voltaram pra casa ou migraram para outra região. Outros aproveitaram os serviços de encaminhamento para abrigos da cidade, kits de fotografia, kits de lanches para viagem, isenções das taxas de banhos/sanitários no terminal, auxílios para retirar a segunda via de documentos, além de outros serviços de políticas sociais da Prefeitura.

NOVO PERFIL

Desirê conta que o interior de Minas lidera o ranking na procura por socorro no terminal.
— O interior é o primeiro lugar, em segundo outros estados do Sudeste e depois o Nordeste.

“Houve uma mudança no perfil dos atendidos”, afirma a assistente social, lembrando que “hoje, com o aumento do numero de dependentes químicos, estamos atendendo mais esse grupo de migrantes”.

— Mas, ainda assim, continuamos a trabalhar com pessoas vindas de regiões com pouca oferta de emprego; posso garantir que maioria vai voltar pra cidade de origem.

Diante de uma equipe de seis assistentes sociais e um estagiário, os viajantes passam por um atendimento bem detalhado e, após o raios-X , se traça um perfil para definir o que deve ser feito. Alguns critérios são usados para tal definição. Entre eles, a concessão de passagens que só é feita caso a pessoa prove ter algum parente que o acolha na cidade de destino (medida que, segundo Desirê, não é feita em cidades do interior). Para ter sucesso nas informações, há uma ligação com secretarias de segurança, saúde e assistência social de cada cidade.

Não há uma orientação nacional voltada para o migrante. Em Belo Horizonte uma consultoria foi contratada para fazer o diagnóstico do atendimento prestado no terminal rodoviário. Desirê fez um estudo que comprova a falta de uma orientação única: cada estado age de uma maneira.

— No Nordeste, cada capital trabalha de uma forma, e são raras as capitais brasileiras que têm o serviço; em Goiânia e Salvador, por exemplo, não tem: é uma tremenda confusão, o ideal seria chegar a essa unificação.

O SONHO NÃO ACABOU

No Terminal Rodoviário, tristes e famintos, com vontade de ir embora, precisando ir ao banheiro, se encontravam dois jovens, Jean Carlos Cândido, 22, e Rafael Pereira Cândido, 21. Os irmãos saíram de Varginha, no sul de Minas, à procura de emprego na capital. Vieram com a cara e a coragem, sem conhecer ninguém. O caso deles é apenas mais um de muitos que deram errado.

Sem ter conseguido o que queriam, sem dinheiro, hospedagem (pernoitaram em uma pensão com ajuda de um desconhecido), foram obrigados a voltar para o terminal e pedir socorro para voltar à terra natal.

No abrigo da prefeitura, outros dois migrantes esperavam para entrar e pernoitar. Um deles, vindo de Virgem da Lapa, no distante Vale do Jequitinhonha. Lucyon Eduardo, 21, veio em busca de emprego e de carona em um caminhão que transportava frutas para a CEASA. Assim que chegou a Belo Horizonte, ficou sabendo de um serviço em uma serralheria e já conseguiu se empregar. Deu sorte! Lucyon tem muitas expectativas essa nova fase de sua vida.

— Tenho o objetivo de constituir família, mandar o dinheiro lá pro interior, conquistar minha casa...

Por sair de Virgem da Lapa, sem grandes expectativas, ele já se sente feliz por ter sido bem recebido em Belo Horizonte.

Juliarlei Aparecido, 24 (mas aparentando bem mais), natural de Pompéu, interior de Minas, é experiente como migrante. Já esteve em Belo Horizonte por um ano e dois meses, voltou para casa e depois foi para São Paulo. Na primeira passagem por Belo Horizonte, conseguiu emprego e casa, mas segundo ele, um “desacerto” o forçou a retornar à casa.

— Em São Paulo, não tive sorte, roubaram meus documentos e não consegui emprego; fui forçado a voltar para Beagá... Além de procurar emprego, tive que procurar ajuda também para tirar novos documentos.

Ambos têm pouca escolaridade, não têm conhecidos em Belo Horizonte e, além disso, sua mala está vazia — só com poucas roupas. Mesmo assim, não pensam em voltar a morar no interior. Ingenuamente, salientam que chegar a um lugar diferente é sempre complicado. “Não é todo mundo que te ajuda; as portas estão, na maioria das vezes, fechadas”.

Uma casa para homens

Diego Frederico, assistente social do abrigo Acolhimento Institucional para população de rua e migrantes, explica como funciona a casa.

— Depois de passar pela triagem da rodoviária, as pessoas com o perfil de acolhimento (em busca de serviço e documentos) chegam ao albergue, onde é feito um novo cadastro. Dentro do albergue, têm o direito a alimentação — café, almoço, janta — e guarda-volumes. O prazo máximo de habitação é de dois meses e o migrante tem que passar o dia todo fora à procura de emprego. São 80 vagas destinadas. Todas destinadas somente aos homens.

Imagem: Eustáquio Trindade

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