quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Atletismo: as causas do insucesso

Após outro desempenho ruim em uma competição internacional, o Mundial de Atletismo, fica a pergunta: de quem é a culpa pelos fracassos recentes dos esportistas brasileiros?

Por João Vitor Cirilo e Caíque Rocha (4º e 2º períodos) para a edição 56 do Jornal Lince (outubro de 2013).

O roteiro é sempre o mesmo. Nos últimos anos, brasileiros que chegam a competições esportivas internacionais não conseguem grandes resultados vistos em tempos passados. No último mês, no Mundial de Atletismo em Moscou, o Brasil não voltou com uma medalha sequer. Quando as coisas pareciam dar certo, no fechamento do torneio, até o bastão no revezamento 4x100 metros feminino caiu, jogando fora a única chance de medalha restante para o Brasil. Mas essa queda é apenas reflexo de uma questão muito maior.

Qual seria o principal causador dos fracassos recentes no esporte brasileiro? O Estado não investe onde deveria? Falta amor aos atletas, que pegam o dinheiro e vão somente “a passeio”? Governo, confederações e competidores apresentam, na maioria das vezes, posições divergentes sobre as causas do fraco desempenho.

Solonei e Paulo Roberto (Foto: Arquivo pessoal)

DE QUEM É A CULPA?

A questão acima gera divergências. Após a última edição dos Jogos Olímpicos e também neste Mundial de Atletismo, muitos competidores culparam confederações e o governo pelo fraco desempenho. Daniel Ottoni, repórter do jornal “O Tempo”, de Belo Horizonte, tem a mesma visão. “Os atletas não possuem a melhor estrutura para trabalhar. O esporte não é valorizado como deveria e os resultados no Mundial são uma consequência de todo um descaso para com o esporte, que vem de anos”, opina. “Atletas e treinadores lutam muito todos os dias contra condições péssimas de treinamento. O governo brasileiro é o maior culpado pela falta de investimento”, completa Daniel.

Entretanto, para o maratonista Luís Fernando de Almeida Paula, irmão de Paulo Roberto de Almeida Paula, sétimo colocado na maratona do Mundial, essa postura crítica é errada. “Esse desempenho ruim não é culpa nem do governo nem da confederação. Em minha opinião, é culpa do profissional, do atleta, que tem que visar aquilo que ele quer”, argumenta. “Falo para o meu irmão: ‘Paulo Roberto, você vai ficar em função deste treino’. Brasileiro compete todo fim de semana e quer chegar a uma competição internacional achando que vai ganhar ou subir no pódio. Não vai! É outra pegada”, declara Luís Fernando, de 34 anos, há 20 como corredor.

Para Solonei Silva, sexto colocado (o melhor brasileiro) na maratona do Mundial, não existe culpado. “A vida do atleta não é fácil. Não se pode avaliar o desempenho do atleta em uma simples ou complicada competição. Teria que acompanhar o dia a dia durante o ciclo inteiro”. Solonei também criticou a postura da imprensa. “Eu nunca fiquei sabendo de nenhuma mídia ou jornalista que fez isso (acompanhar os treinos diariamente)”.

DINHEIRO TEM

Luís Fernando ressaltou que, nos últimos tempos, nunca se teve tanto investimento do Estado no esporte como agora. “Muitos ficam com desculpa, falando besteira na mídia. Nós podemos falar tudo, mas o governo está investindo muito dinheiro em cima do esporte. Tem dinheiro sobrando. Você pede uma coisa, e o governo banca. E por que o atleta chega na hora e não dá resultado?”, questiona.

Solonei está de acordo. “Os clubes, federações e confederação nunca tiveram tanto apoio do governo e da iniciativa privada como estão tendo agora, como o Bolsa Atleta, Bolsa Pódio, entre outros”. Porém, para ele, estamos no caminho correto. “Cabe aos atletas fazer o melhor possível e isso está acontecendo”.

Luís Fernando criticou a postura de alguns competidores, que, segundo ele, “só pegam o dinheiro e colocam no bolso”. “E aí você pensa: como esse atleta não conseguiu um treinamento internacional? Porque ele tem medo de mexer no bolso dele, não quer investir, e aí fica difícil mostrar resultado. Todo o dinheiro que entra para o meu irmão, da Bolsa Atleta, da Confederação Brasileira de Atletismo, é investido na carreira dele. A diferença é essa”, conclui o maratonista.

RENOVAÇÃO

Daniel Ottoni diverge da opinião de Luís. “Atualmente eles (o governo) investem pouco; antes, não investiam nada. O governo não abre os olhos para o atletismo, a não ser quando campeonatos importantes acontecem. Em cima da hora, o resultado não vem. É preciso ter investimento na base, pensar no futuro, acreditar no esporte e demonstrar isso por meio de ações. Não adianta investir faltando dois ou três anos para Mundiais e Olimpíadas”, observa Daniel Ottoni.

Falando sobre renovação, Luís Fernando tem a mesma visão. “Em 2016, chance real mesmo só na maratona, porque vai correr no calor e pode ter chance de pódio. Nas outras, só por Deus, porque não há jovens. No feminino, faz dez anos que são as mesmas meninas que ganham no Brasil. Não se vê uma renovação. O trabalho pra 2016 deveria ter começado há uma década. Agora, fica difícil”, avalia Luís Fernando.

Daniel Ottoni reforça que a mudança só poderá acontecer se for feito um trabalho em longo prazo. “A partir do momento em que investimentos que mereçam elogios apareçam, os resultados aparecerão em cinco ou sete anos. O processo é lento”.

VAMOS ÀS ESCOLAS

Com um território muito extenso e grande população, é evidente que o Brasil tem escondido por aí um grande potencial. Pensemos nas inúmeras escolas públicas. Alguém já parou para refletir sobre o número de crianças e jovens que poderiam se transformar em atletas de ponta? Porém, na atual mentalidade educacional no Brasil, esse ainda não é o papel das escolas.

A reportagem do Jornal Lince procurou a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais para ter um posicionamento sobre o tema, e foi atendida por Celina Gontijo, analista de educação em Educação Física, e interlocutora dos Jogos Escolares de Minas Gerais (JEMG). “Não podemos ensinar o atletismo como competição dentro das escolas, e sim como esporte. Através do JEMG é que descobrimos talentos em jovens atletas. A formação deles é feita nos clubes”, disse Celina. Segundo ela, o motivo deve-se ao fato de que nem todos os alunos têm vocação para determinado esporte.

“As categorias de base do atletismo no Brasil são excelentes. Vários jovens atletas, inclusive de Minas Gerais, venceram campeonatos mundiais. Estamos sempre organizando competições”, completa Celina Gontijo, ao lembrar que o MEC criou o projeto “Atleta na Escola”, que tem como intuito estimular a prática do atletismo e promover competições envolvendo escolas de todo o país.

FALTA VALORIZAÇÃO

Elbert Fagundes é professor de Educação Física em uma escola estadual localizada na capital mineira. Segundo ele, um dos problemas encontrados nos colégios é o total descaso e desvalorização do profissional. “Encontramos dificuldade de transmitir conteúdos aos alunos devido à falta de material, uma realidade constante, péssimas condições de trabalho e alunos completamente desinteressados com novos projetos e aulas”, ­­­­­afirma.

Para o professor, a falta de motivação para o trabalho nas escolas mineiras se deve a um "governo que é punitivo, desinteressado e que não pensa em educação". Elbert criticou a postura do governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia, que retirou todos os profissionais de Educação Física das escolas públicas de anos iniciais. "Crianças que antes deveriam aprender o básico sobre coordenação, equilíbrio e força, agora são obrigadas a ficar dentro de sala de aula, sem um professor especialista para ensiná-las tais competências"

“O Brasil poderia explorar muito mais seu potencial. Imagine quanto atletas estão perdidos por aí e que poderiam ser descobertos se projetos e peneiras acontecessem com mais frequência, se parcerias acontecessem com escolas, se o investimento que eles falam que existe acontecesse de verdade. Teríamos vários atletas, por ano, com condições de medalhas, e não um ou outro que chegam apenas para participar e tentar surpreender”, opina Daniel Ottoni.

“Estudos recentes mostram o crescimento exagerado de doenças associadas ao excesso de peso e, com certeza, a Educação Física escolar pode ajudar nesse combate, estimulando o jovem a ser ativo desde a sua infância para que na vida adulta ele consiga definir aquilo que mais gosta e desenvolver melhor tal habilidade”, defende Elbert Fagundes.

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