sábado, 29 de junho de 2013

“O politicamente correto é o alimento do preconceito”

Mas os humoristas têm que conviver com isso em seu dia a dia: o humor deve ou não ter limites (ou seria censura?) impostos pela sociedade?


Por Felipe Freitas (3° período), para a edição 54 do Jornal Lince.

“Eu como ela e o bebê”. Uma piada que para muitos foi de mau gosto, fez com que o humorista Rafinha Bastos fosse afastado do programa da Rede Bandeirantes, o CQC, e, logo depois, demitido. Ele ainda teve a dor de cabeça de responder a um processo pela “brincadeira”.  Esse é uma advertência aos comediantes, para que tenham mais cuidado com as piadas que contam. A situação traz varias questões à tona: O humor tem limites? E, se tem, quais são? A sociedade mudou ou as piadas ficaram mais maliciosas?

“Eu faço humor de cara limpa. É simples. Quando subo no palco, eu sou o Rafinha Bastos. Se faço uma piada de estupro, as pessoas tomam isso como a minha opinião. Porque eu não sou o bêbado Zé ou o caipira Nerso (referência à personagem Nerso da Capitinga, do comediante), às vezes, fica difícil do público entender que aquela não seria a minha opinião”, disse Rafinha Bastos em entrevista à apresentadora Marília Gabriela.


Mario Alaska, humorista.
(Foto: Arquivo pessoal)

O LIMITE

O caso de Rafinha nos abre uma questão. Será que o humor tem limite? E qual seria ele? Para o humorista Leonardo Núñez, 33, mais conhecido no meio como “Gigante Léo”, o humor tem que ter um limite. “Sou radicalmente contra a imposição de qualquer tipo de censura ao humor ou qualquer expressão artística, mas o limite se dá naturalmente, através da relação do humorista com o seu público”, expõe Léo.

Outro que também partilha da mesma opinião de Léo é o comediante Glauber Cunha, 38, do grupo Os Comédia, que prefere não abordar alguns assuntos.  “No meu estilo de humor, o limite é navegar por assuntos que não sejam tão polêmicos ao ponto de 90% do público ficar chocado com a piada. Tem tanta coisa para brincar... Para que eu vou me arriscar?”, provoca Cunha.

Mario Alaska é comediante e locutor da rádio 98FM. No programa 98 Futebol Clube, faz alguns personagens. Um deles, uma imitação ao repórter Roberto Abras, da Rádio Itatiaia.  Ele opina que o humorista deve usar o bom senso ou o senso comum, e define o caminho como uma trilha perigosa. O comediante vive um desafio a cada piada dita.

— Caminhamos sobre o fio da navalha. Em certos casos, podemos acertar em cheio, mas também podemos errar muito. Acredito que com o tempo e a prática você vai se encontrando.

Para o comediante e improvisador Allan Benatti, 36, o humor não tem limites. “O que tem limite é o pudor e o preconceito do mundo atual”, completa Bennatti. Já o ator Eraldo Fontiny, 30, acredita que o humor deve ter bom senso. “O humor não dá o direito de banalizar e humilhar alguém”, afirma.

Mas, Carol Zoccoli, 36, humorista, lembra que a essência do humor é reconhecer o que não faz sentido e fazer as pessoas rirem disso. “Quando alguém se sente agredido por uma piada, essa pessoa não compreendeu a intenção do humorista ou o humorista teve a intenção de agredir (o que é muito diferente da intenção de fazer rir a partir de um tema considerado muito sério). O que agride é a intenção e não as palavras”.

SIGNO DE LIBRAS

Não é privilégio de Rafinha Bastos fazer com que alguma pessoa se sinta ofendida com uma piada.  João Basílio, 40, humorista e professor universitário de comunicação, também teve problemas com pessoas que não entenderam uma piada sua.

— Em uma ocasião, ao fim de setembro, fiz no Facebook o seguinte comentário: ‘Hoje, 26 de setembro, é o dia dos surdos. Faz sentido o dia dos surdos ser do signo de Libras’. A brincadeira, para quem não entendeu, é com o termo ‘Libras’, que é a linguagem de sinais usada pelos surdos.

Uma simples piada fez com que alguém se revoltasse com a brincadeira. ”Por incrível que pareça, uma pessoa veio me atacar, dizendo que era uma falta de respeito, um absurdo e que iria me processar. Fiquei chocado, porque a frase não tem nada de ofensivo! Isso é uma demonstração de como é difícil — senão impossível — agradar a todos”, completa Basílio.

VISÃO CRÍTICA

Bruno Berg, 32, que também é humorista, teve um caso parecido com o de Basílio. “Já fiz uma piada sobre cães onde eu falava sobre o fato de eles se reproduzirem com seus próprios parentes. Criou o maior alvoroço, porque alguém achou que eu estava incentivando maltratar os animais”, conta. “Hoje em dia todo mundo tem se ofendido muito facilmente. Se eu faço piada, por exemplo, com vários bairros da cidade, a pessoa morre de rir. Mas se eu falar do bairro dela, ela fala que não pode”.

Mas, e aí? As piadas estão ficando mais maliciosas ou será que o nosso país mudou? Para Edgar Quintanilha, 19, humorista e ator, a sociedade mudou sua concepção de mundo. “Piadas de cunho sexual e com palavras chulas sempre existiram. Porém, com a moda do ‘politicamente correto’ a tolerância por parte de alguns tem diminuído, e daí vêm as críticas”, expõe.

Núñez acha que são as duas coisas. “Toda piada tem algum tipo de malícia ou visão crítica. O que acredito é que as pessoas estão cada vez menos tolerantes com tudo: com o próximo, com as brincadeiras e com as críticas”, diz. Para Alaska, o mundo está ficando chato. “Não se pode brincar com mais nada! Mas, por outro lado, acho que temos que saber a maneira como brincar com certas coisas”, fala.

“TODA PIADA TEM UMA VÍTIMA”

Allan Bennatti afirma que o politicamente correto é torto e o maior alimentador do preconceito. “Mudar o nome de negro ou preto para afro-brasileiro é dizer que é ofensivo chamá-lo de negro ou preto, mas a ofensa não está na situação da cor, e sim na maneira como se fala. Mudemos então de branco para euro-brasileiro”, completa.

Berg sente que as pessoas estão ficando mais “sensíveis”, em relação às piadas. Para ele, isso é um reflexo da liberdade da internet. “Hoje em dia, do mesmo jeito que você consegue expressar sua opinião ou fazer uma piada chegar às pessoas de maneira mais fácil, através da internet, a crítica também chega”, diz. Para ele, está faltando “a muitas pessoas rirem de si mesmas”.

— Acho que a pessoa que não aceita uma piada onde ela é atingida, deveria parar de rir de outras piadas onde se tem uma vítima: toda piada tem uma!

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