sexta-feira, 28 de junho de 2013

Que país é esse?

Mesmo sendo uma nação marcada historicamente por atos de corrupção, hoje, Brasil recusa essa identidade e quer a verdade


Matéria de Rayza Kamke (3º período), publicada na edição 54 do Jornal Lince.

Há quem afirme que a corrupção aportou no Brasil com os portugueses, quando a coroa portuguesa resolveu mandar pra cá os condenados, os ladrões e as prostitutas. A partir daí, ficou fácil justificar todo e qualquer ato de corrupção perpetrado no país. Nas pequenas falcatruas do dia a dia — furar fila, surrupiar pequenos objetos, pagar propina —, a corrupção parece que veio para ficar. É endêmica entre nós.

O certo é que a corrupção no Brasil afeta diretamente o bem estar de todos os cidadãos, quando diminui os investimentos públicos nas diversas áreas de direitos essenciais à vida. Na saúde, na educação ou na segurança, os escândalos na política, talvez a face mais dura da corrupção, deixaram de ser novidade para a população.

“Um dos principais problemas que dificultam o combate à corrupção é a impunidade ainda vigente no país”, avalia o bancário Alan Flaviano dos Santos, 26. Em sua opinião, “a justiça é morosa, e aqueles que desviam milhões e podem pagar bons advogados dificilmente passam muito tempo em cadeia, ou nem mesmo são punidos”.

ENDÊMICA

A corrupção hoje é tratada quase como um problema endêmico. Endemia essa que veio da formação da cultura crescente da nova nação, desde o império. Entre uma corte e uma igreja que se compactuavam, acabou por se criar uma cultura formada em torno de privilégios e vantagens. “E o pior é que se trata de uma cultura que até hoje se reflete em nossa realidade, e no nosso dia a dia”, afirma a professora Ana Lúcia Verçosa, bacharel em História.

No entanto, Ana Lúcia acha que é errado generalizar. Ela afirma que ninguém deve acreditar que a corrupção é algo que se impôs sobre a sociedade brasileira. “Há bolsões de corrupção, principalmente nas elites; apesar de termos a constatação de que a corrupção é muito forte em nosso país, talvez estejamos em um momento em que mais se combate a corrupção do Brasil”, afirma a professora.

REPÚDIO

“Apesar de tratada como um problema crescente no país, podemos analisar que talvez hoje as pessoas vejam a corrupção muito mais exposta, o que é um fator positivo para a sociedade”, explica Ana Lúcia. O deputado estadual e jornalista João Vitor Xavier diz que “não devemos nos iludir: havia atos corruptos há 40, 50 ou 80 anos; talvez acontecessem coisas piores”.

— Não acho que a corrupção hoje seja pior do que no passado, eu acho que hoje ela é mais “mostrada” do que foi no passado; e este é o caminho para combatê-la. Eu prefiro pensar que a corrupção fez parte da cultura brasileira, e cada vez menos as pessoas a toleram. Segundo o deputado, cada vez mais a sociedade se rebela contra a corrupção. “Se cultura é aquilo que é cultivado, então se muda a cultura”, propõe. Xavier afirma sentir que o Brasil está mudando essa cultura.

— Sinto o Brasil fazendo um movimento muito forte de repúdio a essa cultura; acho que a corrupção faz parte apenas de uma parcela de brasileiros, mas que é cada vez maior a parcela que está contra seus atos.

De acordo com o deputado, o Ministério Público, os órgãos de comunicação e as casas parlamentares, por mais que não sejam reconhecidos, têm uma ação muito forte contra a corrupção. “Eu vejo o Brasil passar por um momento como nunca na história do país, no que diz respeito ao combate à corrupção”, afirma. Mas, apesar de toda a movimentação e manifestação da sociedade, o problema está longe de uma solução. Para se ter uma política menos corrupta, é necessário investir em uma sociedade menos corrupta, o que engloba uma parcela da grande maioria de brasileiros que se deixam levar por pequenos atos de corrupção no cotidiano. “A primeira coisa que tem que fazer é acabar com a imunidade parlamentar”, propõe Fausto Medina da Silva, 22, estudante de informática, para quem as leis brasileiras são muito desiguais.

— Por exemplo, eles ficam por aí condenando a impunidade dos menores de 18 anos, mas ninguém condena a impunidade dos políticos.

RETRATO

Ladrão que rouba ladrão tem mil anos de perdão. Com base neste ditado popular, e, de acordo com uma pesquisa feita pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e o Instituto Vox Populi, parte da população afirma que pequenos atos ilícitos cometidos no dia a dia não são considerados corrupção, mas — pasmem! — legitima defesa. Quase um em cada quatro brasileiros (23%) afirma que dar dinheiro a um guarda para evitar uma multa não chega a ser um ato corrupto. Segundo a pesquisa, 35% dos entrevistados dizem que algumas coisas podem ser “um pouco erradas, mas não corruptas”. Entre elas, sonegar impostos quando a taxa é cara demais. As informações são da BBC Brasil.

"Muitas pessoas não enxergam o desvio privado como corrupção, só levam em conta a corrupção no ambiente público", cita o promotor de Justiça Jairo Cruz Moreira, que também é coordenador nacional da campanha do Ministério Público "O que você tem a ver com a corrupção", que tem como objetivo conscientizar e incentivar a honestidade para a sociedade.

Por sua vez, o jornalista João Perdigão afirma que o famoso “jeitinho brasileiro” “já calhou de ter um lado positivo, e hoje corre mais para o negativo: o brasileiro prefere não ver o erro mesmo; aqui todo mundo tem, teve ou quer ter um rabo preso com qualquer corrupto, no intuito de levar alguma vantagem financeira. O brasileiro prefere lutar pelo futebol, no máximo pelo seu time, ao contrário dos nossos vizinhos argentinos, que são mais engajados politicamente”.


Mas, de acordo ainda com pesquisa, dados positivos mostram que 84% dos ouvidos afirmaram que, em qualquer situação, existe sempre a chance de a pessoa ser honesta. Especialistas concordam que a corrupção do cotidiano acaba sendo alimentada pela corrupção política.

IDEOLOGIA

A história da corrupção, como um todo, está ligada intimamente com a figura humana. “Independente do pensamento ideológico, você precisa ter um controle estatal para minimizar ao máximo essa ideia de corrupção”, disse Sebastião Helvécio, Vice-Presidente do Tribunal de Contas de Minas Gerais. De acordo com Sebastião Helvécio, todo poder corrompe:

– Eu acredito que qualquer sociedade, em qualquer momento, é preciso ter mecanismos para poder fazer o controle do poder. E quando eu falo controle do poder, é realmente no sentido mais extenso da palavra. De modo que eu diria que mais do que uma figura endêmica, acho que essa questão da corrupção é uma figura própria da natureza humana.


Helvécio ainda afirma que não só o governo, mas a sociedade brasileira tem melhorado ao longo dos anos. E em síntese, que o governo brasileiro tem refletido esse sentimento da sociedade de aprovar regulamentações mais rígidas. “Hoje os órgãos de controle têm melhorado muito essa percepção. Podemos observar pela imprensa, não só os Tribunais de Contas, como a Polícia Federal, a Polícia Civil e todos os órgãos que têm essa missão de fazer o controle, também têm a oportunidade de atuar em tempo real, com ações preventivas. Mas é um grande caminho a percorrer”, declarou.

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