Mas, nem sempre, o cartão
postal que espera os migrantes tem os braços abertos na vida real: é mais comum
ter a cara e os punhos cerrados
Rafael Martins (4º período) para a edição 56 do Jornal Lince (outubro de 2013).
“Se dizem que é impossível, eu digo: é necessário! Se dizem que estou louco,
fazendo tudo ao contrário, eu digo que é preciso, eu preciso, é necessário seguir
viagem, tirar os pés da terra firme”. Como diria a canção “Seguir Viagem”, da
banda Engenheiros do Hawaii, é preciso seguir viagem, conhecer novos ares, mas
será que isso se aplica à saga dos migrantes? Desde o início dos tempos, essa
atividade, movida por objetivos distintos — econômicos, religiosos ou até mesmo
por amor — a vontade de mudar leva multidões a viajar, sem, muitas vezes, saber
aonde chegar.
No Brasil, as primeiras
migrações datam do início da República. Com o fim do Ciclo da Cana de Açúcar,
no nordeste, levas numerosas desceram em busca de promessas de uma vida melhor
no Sudeste e no Sul do país, regiões que se industrializaram primeiro. Com as
indústrias, veio também a expectativa dos novos empregos, de uma vida melhor,
sem o fantasma da seca, que sempre afligiu os estados nordestinos. São Paulo
sempre foi visto como o Eldorado dos migrantes, mas Minas Gerais, assim que
começou também a se industrializar, passou a fazer parte da rota das grandes
migrações.
PORTA DE ENTRADA
A falta de empregos na zona
rural provocou o fenômeno do êxodo rural, a migração em massa do campo para a
cidade. Ao chegar a Belo Horizonte, no entanto, o panorama que se descortina é
outro: entre saudades de casa, a procura por um novo mundo mostra um caminho de
sofrimento, da perda da identidade cultural, quando a grande cidade mostra para
os que chegam sua face mais cruel. Uma situação que pode ser conferida
diariamente na principal porta de entrada da capital, o Terminal Rodoviário.
O Plantão Social de Atendimento ao
Migrante foi implantado em 2003 (inicialmente feito pelo Estado, mas, a partir
de 2008, a Prefeitura assumiu a administração do Terminal Rodoviário). Seu
objetivo é atender o indivíduo residente há menos de dois meses em Belo
Horizonte e garantir que ele usufrua de benefícios que, em tese, são garantidos
por lei. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, na área de
embarque do terminal, mas se alguém por ventura chegar depois do horário de
fechamento, os seguranças da rodoviária estão orientados a pedir aos migrantes para
pernoitar em algum lugar e retornar na manhã seguinte ao atendimento. O
problema é que nem sempre há lugar para o pernoite.
É oferecido auxilio aos migrantes em
situação de vulnerabilidade social ou àqueles que precisam de orientações quando
desembarcam na capital. Segundo a assistente social Desirê Mourão, que coordena
o plantão, a procura maior é por passagens e abrigo. De janeiro a agosto deste
ano, o serviço prestou 4167 atendimentos, uma média de 650 por dia.
Neste mesmo período, 936 pessoas
aproveitaram a concessão de passagens e voltaram pra casa ou migraram para
outra região. Outros aproveitaram os serviços de encaminhamento para abrigos da
cidade, kits de fotografia, kits de lanches para viagem, isenções das taxas de
banhos/sanitários no terminal, auxílios para retirar a segunda via de
documentos, além de outros serviços de políticas sociais da Prefeitura.
Desirê conta que o interior de Minas lidera
o ranking na procura por socorro no terminal.
— O interior é o primeiro lugar, em segundo
outros estados do Sudeste e depois o Nordeste.
“Houve uma mudança no perfil dos atendidos”,
afirma a assistente social, lembrando que “hoje, com o aumento do numero de
dependentes químicos, estamos atendendo mais esse grupo de migrantes”.
— Mas, ainda assim, continuamos a trabalhar
com pessoas vindas de regiões com pouca oferta de emprego; posso garantir que
maioria vai voltar pra cidade de origem.
Diante de uma equipe de seis assistentes
sociais e um estagiário, os viajantes passam por um atendimento bem detalhado e,
após o raios-X , se traça um perfil para definir o que deve ser feito. Alguns
critérios são usados para tal definição. Entre eles, a concessão de passagens
que só é feita caso a pessoa prove ter algum parente que o acolha na cidade de
destino (medida que, segundo Desirê, não é feita em cidades do interior). Para
ter sucesso nas informações, há uma ligação com secretarias de segurança, saúde
e assistência social de cada cidade.
Não há uma orientação nacional voltada para
o migrante. Em Belo Horizonte uma consultoria foi contratada para fazer o
diagnóstico do atendimento prestado no terminal rodoviário. Desirê fez um
estudo que comprova a falta de uma orientação única: cada estado age de uma
maneira.
— No Nordeste, cada capital trabalha de uma
forma, e são raras as capitais brasileiras que têm o serviço; em Goiânia e
Salvador, por exemplo, não tem: é uma tremenda confusão, o ideal seria chegar a
essa unificação.
No Terminal
Rodoviário, tristes e famintos, com vontade de ir embora, precisando ir ao
banheiro, se encontravam dois jovens, Jean Carlos Cândido, 22, e Rafael Pereira
Cândido, 21. Os irmãos saíram de Varginha, no sul de Minas, à procura de
emprego na capital. Vieram com a cara e a coragem, sem conhecer ninguém. O caso
deles é apenas mais um de muitos que deram errado.
Sem ter
conseguido o que queriam, sem dinheiro, hospedagem (pernoitaram em uma pensão
com ajuda de um desconhecido), foram obrigados a voltar para o terminal e pedir
socorro para voltar à terra natal.
No abrigo da
prefeitura, outros dois migrantes esperavam para entrar e pernoitar. Um deles,
vindo de Virgem da Lapa, no distante Vale do Jequitinhonha. Lucyon Eduardo, 21,
veio em busca de emprego e de carona em um caminhão que transportava frutas
para a CEASA. Assim que chegou a Belo Horizonte, ficou sabendo de um serviço em
uma serralheria e já conseguiu se empregar. Deu sorte! Lucyon tem muitas
expectativas essa nova fase de sua vida.
— Tenho o
objetivo de constituir família, mandar o dinheiro lá pro interior, conquistar
minha casa...
Por sair de Virgem
da Lapa, sem grandes expectativas, ele já se sente feliz por ter sido bem recebido
em Belo Horizonte.
Juliarlei
Aparecido, 24 (mas aparentando bem mais), natural de Pompéu, interior de Minas,
é experiente como migrante. Já esteve em Belo Horizonte por um ano e dois
meses, voltou para casa e depois foi para São Paulo. Na primeira passagem por
Belo Horizonte, conseguiu emprego e casa, mas segundo ele, um “desacerto” o
forçou a retornar à casa.
— Em São
Paulo, não tive sorte, roubaram meus documentos e não consegui emprego; fui
forçado a voltar para Beagá... Além de procurar emprego, tive que procurar
ajuda também para tirar novos documentos.
Ambos têm
pouca escolaridade, não têm conhecidos em Belo Horizonte e, além disso, sua
mala está vazia — só com poucas roupas. Mesmo assim, não pensam em voltar a
morar no interior. Ingenuamente, salientam que chegar a um lugar diferente é sempre
complicado. “Não é todo mundo que te ajuda; as portas estão, na maioria das
vezes, fechadas”.
Uma casa para homens
Diego
Frederico, assistente social do abrigo Acolhimento Institucional para população
de rua e migrantes, explica como funciona a casa.
— Depois de
passar pela triagem da rodoviária, as pessoas com o perfil de acolhimento (em
busca de serviço e documentos) chegam ao albergue, onde é feito um novo
cadastro. Dentro do albergue, têm o direito a alimentação — café, almoço, janta
— e guarda-volumes. O prazo máximo de habitação é de dois meses e o migrante
tem que passar o dia todo fora à procura de emprego. São 80 vagas destinadas.
Todas destinadas somente aos homens.
Imagem: Eustáquio Trindade
Imagem: Eustáquio Trindade
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