Após outro desempenho ruim em uma competição
internacional, o Mundial de Atletismo, fica a pergunta: de quem é a culpa pelos
fracassos recentes dos esportistas brasileiros?
Por
João Vitor Cirilo e Caíque Rocha (4º e 2º períodos) para a edição 56 do Jornal Lince (outubro de 2013).
O roteiro é sempre o mesmo. Nos últimos anos,
brasileiros que chegam a competições esportivas internacionais não conseguem
grandes resultados vistos em tempos passados. No último mês, no Mundial de
Atletismo em Moscou, o Brasil não voltou com uma medalha sequer. Quando as
coisas pareciam dar certo, no fechamento do torneio, até o bastão no
revezamento 4x100 metros feminino caiu, jogando fora a única chance de medalha
restante para o Brasil. Mas essa queda é apenas reflexo de uma questão muito
maior.
Qual seria o principal causador dos
fracassos recentes no esporte brasileiro? O Estado não investe onde deveria? Falta
amor aos atletas, que pegam o dinheiro e vão somente “a passeio”? Governo,
confederações e competidores apresentam, na maioria das vezes, posições
divergentes sobre as causas do fraco desempenho.
![]() |
Solonei e Paulo Roberto (Foto: Arquivo pessoal) |
DE
QUEM É A CULPA?
A questão acima gera divergências. Após a
última edição dos Jogos Olímpicos e também neste Mundial de Atletismo, muitos
competidores culparam confederações e o governo pelo fraco desempenho. Daniel
Ottoni, repórter do jornal “O Tempo”, de Belo Horizonte, tem a mesma visão. “Os
atletas não possuem a melhor estrutura para trabalhar. O esporte não é
valorizado como deveria e os resultados no Mundial são uma consequência de todo
um descaso para com o esporte, que vem de anos”, opina. “Atletas e treinadores
lutam muito todos os dias contra condições péssimas de treinamento. O governo
brasileiro é o maior culpado pela falta de investimento”, completa Daniel.
Entretanto, para o maratonista Luís Fernando
de Almeida Paula, irmão de Paulo Roberto de Almeida Paula, sétimo colocado na
maratona do Mundial, essa postura crítica é errada. “Esse desempenho ruim não é
culpa nem do governo nem da confederação. Em minha opinião, é culpa do
profissional, do atleta, que tem que visar aquilo que ele quer”, argumenta. “Falo
para o meu irmão: ‘Paulo Roberto, você vai ficar em função deste treino’.
Brasileiro compete todo fim de semana e quer chegar a uma competição
internacional achando que vai ganhar ou subir no pódio. Não vai! É outra
pegada”, declara Luís Fernando, de 34 anos, há 20 como corredor.
Para Solonei Silva, sexto colocado (o melhor
brasileiro) na maratona do Mundial, não existe culpado. “A vida do atleta não é
fácil. Não se pode avaliar o desempenho do atleta em uma simples ou complicada
competição. Teria que acompanhar o dia a dia durante o ciclo inteiro”. Solonei
também criticou a postura da imprensa. “Eu nunca fiquei sabendo de nenhuma
mídia ou jornalista que fez isso (acompanhar os treinos diariamente)”.
DINHEIRO
TEM
Luís Fernando ressaltou que, nos últimos
tempos, nunca se teve tanto investimento do Estado no esporte como agora. “Muitos
ficam com desculpa, falando besteira na mídia. Nós podemos falar tudo, mas o
governo está investindo muito dinheiro em cima do esporte. Tem dinheiro
sobrando. Você pede uma coisa, e o governo banca. E por que o atleta chega na
hora e não dá resultado?”, questiona.
Solonei está de acordo. “Os clubes,
federações e confederação nunca tiveram tanto apoio do governo e da iniciativa
privada como estão tendo agora, como o Bolsa Atleta, Bolsa Pódio, entre
outros”. Porém, para ele, estamos no caminho correto. “Cabe aos atletas fazer o
melhor possível e isso está acontecendo”.
Luís Fernando criticou a postura de alguns
competidores, que, segundo ele, “só pegam o dinheiro e colocam no bolso”. “E aí
você pensa: como esse atleta não conseguiu um treinamento internacional? Porque
ele tem medo de mexer no bolso dele, não quer investir, e aí fica difícil
mostrar resultado. Todo o dinheiro que entra para o meu irmão, da Bolsa Atleta,
da Confederação Brasileira de Atletismo, é investido na carreira dele. A
diferença é essa”, conclui o maratonista.
RENOVAÇÃO
Daniel Ottoni diverge da opinião de Luís. “Atualmente
eles (o governo) investem pouco; antes, não investiam nada. O governo não abre
os olhos para o atletismo, a não ser quando campeonatos importantes acontecem.
Em cima da hora, o resultado não vem. É preciso ter investimento na base,
pensar no futuro, acreditar no esporte e demonstrar isso por meio de ações. Não
adianta investir faltando dois ou três anos para Mundiais e Olimpíadas”, observa
Daniel Ottoni.
Falando sobre renovação, Luís Fernando tem a
mesma visão. “Em 2016, chance real mesmo só na maratona, porque vai correr no
calor e pode ter chance de pódio. Nas outras, só por Deus, porque não há
jovens. No feminino, faz dez anos que são as mesmas meninas que ganham no
Brasil. Não se vê uma renovação. O trabalho pra 2016 deveria ter começado há uma
década. Agora, fica difícil”, avalia Luís Fernando.
Daniel Ottoni reforça que a mudança só
poderá acontecer se for feito um trabalho em longo prazo. “A partir do momento
em que investimentos que mereçam elogios apareçam, os resultados aparecerão em
cinco ou sete anos. O processo é lento”.
VAMOS
ÀS ESCOLAS
Com um território muito extenso e grande
população, é evidente que o Brasil tem escondido por aí um grande potencial.
Pensemos nas inúmeras escolas públicas. Alguém já parou para refletir sobre o número
de crianças e jovens que poderiam se transformar em atletas de ponta? Porém, na
atual mentalidade educacional no Brasil, esse ainda não é o papel das escolas.
A reportagem do Jornal Lince procurou a
Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais para ter um posicionamento
sobre o tema, e foi atendida por Celina Gontijo, analista de educação em
Educação Física, e interlocutora dos Jogos Escolares de Minas Gerais (JEMG). “Não
podemos ensinar o atletismo como competição dentro das escolas, e sim como
esporte. Através do JEMG é que descobrimos talentos em jovens atletas. A
formação deles é feita nos clubes”, disse Celina. Segundo ela, o motivo deve-se
ao fato de que nem todos os alunos têm vocação para determinado esporte.
“As categorias de base do atletismo no
Brasil são excelentes. Vários jovens atletas, inclusive de Minas Gerais,
venceram campeonatos mundiais. Estamos sempre organizando competições”,
completa Celina Gontijo, ao lembrar que o MEC criou o projeto “Atleta na
Escola”, que tem como intuito estimular a prática do atletismo e promover
competições envolvendo escolas de todo o país.
FALTA
VALORIZAÇÃO
Elbert Fagundes é professor de Educação
Física em uma escola estadual localizada na capital mineira. Segundo ele, um
dos problemas encontrados nos colégios é o total descaso e desvalorização do
profissional. “Encontramos dificuldade de transmitir conteúdos aos alunos
devido à falta de material, uma realidade constante, péssimas condições de
trabalho e alunos completamente desinteressados com novos projetos e aulas”, afirma.
Para o professor, a falta de motivação para
o trabalho nas escolas mineiras se deve a um "governo que é punitivo,
desinteressado e que não pensa em educação". Elbert criticou a postura do
governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia, que retirou todos os
profissionais de Educação Física das escolas públicas de anos iniciais.
"Crianças que antes deveriam aprender o básico sobre coordenação, equilíbrio
e força, agora são obrigadas a ficar dentro de sala de aula, sem um professor
especialista para ensiná-las tais competências"
“O Brasil poderia explorar muito mais seu
potencial. Imagine quanto atletas estão perdidos por aí e que poderiam ser
descobertos se projetos e peneiras acontecessem com mais frequência, se
parcerias acontecessem com escolas, se o investimento que eles falam que existe
acontecesse de verdade. Teríamos vários atletas, por ano, com condições de
medalhas, e não um ou outro que chegam apenas para participar e tentar
surpreender”, opina Daniel Ottoni.
“Estudos recentes mostram o crescimento
exagerado de doenças associadas ao excesso de peso e, com certeza, a Educação
Física escolar pode ajudar nesse combate, estimulando o jovem a ser ativo desde
a sua infância para que na vida adulta ele consiga definir aquilo que mais
gosta e desenvolver melhor tal habilidade”, defende Elbert Fagundes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário