Por Bruno Menezes, (8º Período), para a edição 54 do Jornal Lince.
Acordei atrasado. Maldito seja o individuo que inventou a
função soneca para celular. Sempre me faz atrasar. Em tese, chego ao estágio
todos os dias às 8h. Para isso, eu teria que pegar o ônibus das 7h05, mas hoje
não teve jeito, só consegui o das 7h25. O trânsito é intenso durante todas as
manhãs em Belo Horizonte. Essa, em especial era pior – manhã de sexta-feira é
sempre complicada. Não há um dia em que meu ônibus não pegue um engarrafamento
na Avenida Pedro II. E a gente sempre fica pensando – Imagina na copa!
Passando pela área central da cidade, já na Avenida Augusto
de Lima, próximo ao edifício Maletta, um senhor de sapatos engraxados, cabelos
brancos, camisa polo amarela e um envelope na mão entra no ônibus. Ele senta-se
na parte da frente, próximo ao trocador. Parece que ele pega o mesmo ônibus
todos os dias, afinal o motorista assim que o viu já gritou: grande seu Agenor!
71 anos, 5 meses e 10 dias, assim o seu Agenor orgulhava-se
em dizer sua idade. Em conversa com o motorista do ônibus da linha 64, ele se
gabava de seus feitos. Pai de quatro filhos e casado há 46 anos, seu Agenor
esbanja vitalidade e acredita que casar é a melhor coisa do mundo. “Eu me casei
em 1967, até hoje estou com a mesma mulher. Casar é bom demais, difícil é
continuar casado”, disse ele já aos risos.
Eu tentava ouvir a conversa dos dois, mas sempre de olho no
relógio. A previsão era de que eu chegaria 30 minutos atrasado no estágio, isso
sendo otimista. Entretanto, eu estava atento à boa história de seu Agenor.
– Trabalho em uma construtora que fica ali na Gonçalves Dias
com Olegário Maciel. Passaremos perto dela, você vai ver. Comecei a trabalhar
lá tem pouco tempo, comentou.
– Ah é? Tem pouco tempo? Perguntou o motorista.
– Tem sim, são só 49 anos. Trabalho lá desde o dia 1º de
fevereiro de 1964 – Mais uma vez ele terminou sua frase aos risos.
O motorista ficou impressionado com a lucidez de seu Agenor
e a vontade de ainda fazer questão de exercer uma profissão. Um verdadeiro
apaixonado pelo que faz, eu diria. Tanto que ele contou, orgulhosamente, que a
empresa em que ele trabalha, construiu a primeira trincheira na Pampulha.
Na mesma sexta-feira e na mesma linha de ônibus, porém na
ida para casa, conheci Zuleide, a piriguete da favela Sumaré. De chinelo roxo,
shortinho apertado e uma blusa que deixava a mostra seu piercing no umbigo, a
morena entrou no ônibus. Estava acompanhada de mais duas pessoas, um homem e
uma mulher. Já passava das 15h e o calor naquela tarde estava insuportável.
O trio entrou no ônibus gritando que não iria pagar a
passagem. Eles pulariam a roleta da forma que eles mesmo descreveram: “na cara
dura”. Zuleide liderando o grupo, perguntou aos companheiros se ela teria que
ser a primeira a pular. Os olhos assustados dos outros passageiros se
sobressaltaram, todos ficaram apreensivos fitando a moça. Felizmente tudo não
passou de uma brincadeira. Ela tirou o cartão do banco e o cartão Bhbus da
bolsa e ainda brincou com a trocadora “vocês não aceitam cartão de crédito?”.
Assim o gelo foi quebrado, o clima melhorou e tranquilamente
eles passarem pela roleta.
Felizmente só para a trocadora, não bastasse o ônibus estar
cheio eles ficaram parados nos degraus da porta do meio, atrapalhando o
desembarque dos passageiros. Meu ponto estava se aproximando, me posicionei
perto da porta, atrás do trio, na esperança que eles desconfiassem da minha
intenção de descer. Incomodado, o rapaz começou a falar:
- Deixa eu sair daqui né!? Esse cara aqui atrás de mim não
tá dando certo.
Zuleide, a grande figura da favela Sumaré, não podia perder
essa:
- Nossa, eu adoro! Se ele quiser ficar atrás de mim pode.
- Olha ai! Viu o que ela falou para você? – Disse o rapaz
dirigindo-se a mim.
Dei um sorriso e acenei com a cabeça que sim.
Meu ponto chegou, hora de descer. Com dificuldade, fui
passando pelos obstáculos, ou melhor, por eles. Já com meus pés na rua, Zuleide
gritou de dentro do ônibus: “Ô moço! Eu tava brincando, viu?!” Deu uma
gargalhada e completou. “Mas se quiser levar a brincadeira a sério, também
pode!”.
Não aguentei segurar a risada e mandei um tchau para ela
enquanto o ônibus partia. Definitivamente o transporte coletivo é uma fonte de
boas histórias e grande figuras que mereciam ser estudadas. Do seu Agenor a
Zuleide. De A a Z. Depois disso? Fui para o bar, ora essa. Era sexta-feira e
também sou filho de Deus.
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