Matéria de Rayza Kamke (3º período), publicada na edição 54 do Jornal Lince.
Há quem afirme que a corrupção aportou no
Brasil com os portugueses, quando a coroa portuguesa resolveu mandar pra cá os
condenados, os ladrões e as prostitutas. A partir daí, ficou fácil justificar
todo e qualquer ato de corrupção perpetrado no país. Nas pequenas falcatruas do
dia a dia — furar fila, surrupiar pequenos objetos, pagar propina —, a
corrupção parece que veio para ficar. É endêmica entre nós.
O certo é que a corrupção no Brasil afeta
diretamente o bem estar de todos os cidadãos, quando diminui os investimentos
públicos nas diversas áreas de direitos essenciais à vida. Na saúde, na
educação ou na segurança, os escândalos na política, talvez a face mais dura da
corrupção, deixaram de ser novidade para a população.
“Um dos principais problemas que dificultam
o combate à corrupção é a impunidade ainda vigente no país”, avalia o bancário
Alan Flaviano dos Santos, 26. Em sua opinião, “a justiça é morosa, e aqueles
que desviam milhões e podem pagar bons advogados dificilmente passam muito
tempo em cadeia, ou nem mesmo são punidos”.
ENDÊMICA
A corrupção hoje é tratada quase como um
problema endêmico. Endemia essa que veio da formação da cultura crescente da
nova nação, desde o império. Entre uma corte e uma igreja que se compactuavam,
acabou por se criar uma cultura formada em torno de privilégios e vantagens. “E
o pior é que se trata de uma cultura que até hoje se reflete em nossa realidade,
e no nosso dia a dia”, afirma a professora Ana Lúcia Verçosa, bacharel em
História.
No entanto, Ana Lúcia acha que é errado
generalizar. Ela afirma que ninguém deve acreditar que a corrupção é algo que
se impôs sobre a sociedade brasileira. “Há bolsões de corrupção, principalmente
nas elites; apesar de termos a constatação de que a corrupção é muito forte em
nosso país, talvez estejamos em um momento em que mais se combate a corrupção
do Brasil”, afirma a professora.
REPÚDIO
“Apesar de tratada como um problema
crescente no país, podemos analisar que talvez hoje as pessoas vejam a
corrupção muito mais exposta, o que é um fator positivo para a sociedade”, explica
Ana Lúcia. O deputado estadual e jornalista João Vitor Xavier diz que “não
devemos nos iludir: havia atos corruptos há 40, 50 ou 80 anos; talvez
acontecessem coisas piores”.
— Não acho que a corrupção hoje seja pior do
que no passado, eu acho que hoje ela é mais “mostrada” do que foi no passado; e
este é o caminho para combatê-la. Eu prefiro pensar que a corrupção fez parte
da cultura brasileira, e cada vez menos as pessoas a toleram. Segundo o
deputado, cada vez mais a sociedade se rebela contra a corrupção. “Se cultura é
aquilo que é cultivado, então se muda a cultura”, propõe. Xavier afirma sentir
que o Brasil está mudando essa cultura.
— Sinto o Brasil fazendo um movimento muito
forte de repúdio a essa cultura; acho que a corrupção faz parte apenas de uma
parcela de brasileiros, mas que é cada vez maior a parcela que está contra seus
atos.
De acordo com o deputado, o Ministério Público,
os órgãos de comunicação e as casas parlamentares, por mais que não sejam
reconhecidos, têm uma ação muito forte contra a corrupção. “Eu vejo o Brasil
passar por um momento como nunca na história do país, no que diz respeito ao
combate à corrupção”, afirma. Mas, apesar de toda a movimentação e manifestação
da sociedade, o problema está longe de uma solução. Para se ter uma política
menos corrupta, é necessário investir em uma sociedade menos corrupta, o que
engloba uma parcela da grande maioria de brasileiros que se deixam levar por
pequenos atos de corrupção no cotidiano. “A primeira coisa que tem que fazer é
acabar com a imunidade parlamentar”, propõe Fausto Medina da Silva, 22,
estudante de informática, para quem as leis brasileiras são muito desiguais.
— Por exemplo, eles ficam por aí condenando
a impunidade dos menores de 18 anos, mas ninguém condena a impunidade dos
políticos.
RETRATO
Ladrão que rouba ladrão tem mil anos de
perdão. Com base neste ditado popular, e, de acordo com uma pesquisa feita pela
UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e o Instituto Vox Populi, parte da
população afirma que pequenos atos ilícitos cometidos no dia a dia não são
considerados corrupção, mas — pasmem! — legitima defesa. Quase um em cada
quatro brasileiros (23%) afirma que dar dinheiro a um guarda para evitar uma
multa não chega a ser um ato corrupto. Segundo a pesquisa, 35% dos
entrevistados dizem que algumas coisas podem ser “um pouco erradas, mas não
corruptas”. Entre elas, sonegar impostos quando a taxa é cara demais. As
informações são da BBC Brasil.
"Muitas pessoas não enxergam o desvio
privado como corrupção, só levam em conta a corrupção no ambiente
público", cita o promotor de Justiça Jairo Cruz Moreira, que também é
coordenador nacional da campanha do Ministério Público "O que você tem a
ver com a corrupção", que tem como objetivo conscientizar e incentivar a
honestidade para a sociedade.
Por sua vez, o jornalista João Perdigão
afirma que o famoso “jeitinho brasileiro” “já calhou de ter um lado positivo, e
hoje corre mais para o negativo: o brasileiro prefere não ver o erro mesmo; aqui
todo mundo tem, teve ou quer ter um rabo preso com qualquer corrupto, no
intuito de levar alguma vantagem financeira. O brasileiro prefere lutar pelo
futebol, no máximo pelo seu time, ao contrário dos nossos vizinhos argentinos,
que são mais engajados politicamente”.
Mas, de acordo ainda com pesquisa, dados
positivos mostram que 84% dos ouvidos afirmaram que, em qualquer situação,
existe sempre a chance de a pessoa ser honesta. Especialistas concordam que a
corrupção do cotidiano acaba sendo alimentada pela corrupção política.
IDEOLOGIA
A história da corrupção, como um todo, está
ligada intimamente com a figura humana. “Independente do pensamento ideológico,
você precisa ter um controle estatal para minimizar ao máximo essa ideia de
corrupção”, disse Sebastião Helvécio, Vice-Presidente do Tribunal de Contas de
Minas Gerais. De acordo com Sebastião Helvécio, todo poder corrompe:
– Eu acredito que qualquer sociedade, em
qualquer momento, é preciso ter mecanismos para poder fazer o controle do
poder. E quando eu falo controle do poder, é realmente no sentido mais extenso
da palavra. De modo que eu diria que mais do que uma figura endêmica, acho que
essa questão da corrupção é uma figura própria da natureza humana.
Helvécio ainda afirma que não só o governo,
mas a sociedade brasileira tem melhorado ao longo dos anos. E em síntese, que o
governo brasileiro tem refletido esse sentimento da sociedade de aprovar
regulamentações mais rígidas. “Hoje os órgãos de controle têm melhorado muito
essa percepção. Podemos observar pela imprensa, não só os Tribunais de Contas,
como a Polícia Federal, a Polícia Civil e todos os órgãos que têm essa missão
de fazer o controle, também têm a oportunidade de atuar em tempo real, com
ações preventivas. Mas é um grande caminho a percorrer”, declarou.
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