Por Felipe
Freitas (3° período), para a edição 54 do Jornal Lince.
“Eu como ela e o bebê”. Uma
piada que para muitos foi de mau gosto, fez com que o humorista Rafinha Bastos
fosse afastado do programa da Rede Bandeirantes, o CQC, e, logo depois,
demitido. Ele ainda teve a dor de cabeça de responder a
um processo pela “brincadeira”. Esse é
uma advertência aos comediantes, para que tenham mais cuidado com as piadas que
contam. A situação traz varias questões à tona: O humor tem limites? E, se tem,
quais são? A sociedade mudou ou as piadas ficaram mais maliciosas?
“Eu faço humor de cara
limpa. É simples. Quando subo no palco, eu sou o Rafinha Bastos. Se faço uma
piada de estupro, as pessoas tomam isso como a minha opinião. Porque eu não sou
o bêbado Zé ou o caipira Nerso (referência à personagem Nerso da Capitinga, do
comediante), às vezes, fica difícil do público entender que aquela não seria a
minha opinião”, disse Rafinha Bastos em entrevista à apresentadora Marília
Gabriela.
Mario Alaska, humorista.
(Foto: Arquivo pessoal)
O LIMITE
O caso de Rafinha nos abre
uma questão. Será que o humor tem limite? E qual seria ele? Para o humorista
Leonardo Núñez, 33, mais conhecido no meio como “Gigante Léo”, o humor tem que
ter um limite. “Sou radicalmente contra a imposição de qualquer tipo de censura
ao humor ou qualquer expressão artística, mas o limite se dá naturalmente, através
da relação do humorista com o seu público”, expõe Léo.
Outro que também partilha da
mesma opinião de Léo é o comediante Glauber Cunha, 38, do grupo Os Comédia, que
prefere não abordar alguns assuntos. “No
meu estilo de humor, o limite é navegar por assuntos que não sejam tão
polêmicos ao ponto de 90% do público ficar chocado com a piada. Tem tanta coisa
para brincar... Para que eu vou me arriscar?”, provoca Cunha.
Mario Alaska é comediante e
locutor da rádio 98FM. No programa 98 Futebol Clube, faz alguns personagens. Um
deles, uma imitação ao repórter Roberto Abras, da Rádio Itatiaia. Ele opina que o humorista deve usar o bom
senso ou o senso comum, e define o caminho como uma trilha perigosa. O
comediante vive um desafio a cada piada dita.
— Caminhamos sobre o fio da
navalha. Em certos casos, podemos acertar em cheio, mas também podemos errar
muito. Acredito que com o tempo e a prática você vai se encontrando.
Para o comediante e
improvisador Allan Benatti, 36, o humor não tem limites. “O que tem limite é o
pudor e o preconceito do mundo atual”, completa Bennatti. Já o ator Eraldo
Fontiny, 30, acredita que o humor deve ter bom senso. “O humor não dá o direito
de banalizar e humilhar alguém”, afirma.
Mas, Carol Zoccoli, 36,
humorista, lembra que a essência do humor é reconhecer o que não faz sentido e
fazer as pessoas rirem disso. “Quando alguém se sente agredido por uma piada,
essa pessoa não compreendeu a intenção do humorista ou o humorista teve a
intenção de agredir (o que é muito diferente da intenção de fazer rir a partir
de um tema considerado muito sério). O que agride é a intenção e não as
palavras”.
SIGNO DE LIBRAS
Não é privilégio de Rafinha
Bastos fazer com que alguma pessoa se sinta ofendida com uma piada. João Basílio, 40, humorista e professor
universitário de comunicação, também teve problemas com pessoas que não
entenderam uma piada sua.
— Em uma ocasião, ao fim de
setembro, fiz no Facebook o seguinte comentário: ‘Hoje, 26 de setembro, é o dia
dos surdos. Faz sentido o dia dos surdos ser do signo de Libras’. A
brincadeira, para quem não entendeu, é com o termo ‘Libras’, que é a linguagem
de sinais usada pelos surdos.
Uma simples piada fez com
que alguém se revoltasse com a brincadeira. ”Por incrível que pareça, uma
pessoa veio me atacar, dizendo que era uma falta de respeito, um absurdo e que
iria me processar. Fiquei chocado, porque a frase não tem nada de ofensivo!
Isso é uma demonstração de como é difícil — senão impossível — agradar a todos”,
completa Basílio.
VISÃO
CRÍTICA
Bruno Berg, 32, que também é
humorista, teve um caso parecido com o de Basílio. “Já fiz uma piada sobre cães
onde eu falava sobre o fato de eles se reproduzirem com seus próprios parentes.
Criou o maior alvoroço, porque alguém achou que eu estava incentivando maltratar
os animais”, conta. “Hoje em dia todo mundo tem se ofendido muito facilmente.
Se eu faço piada, por exemplo, com vários bairros da cidade, a pessoa morre de
rir. Mas se eu falar do bairro dela, ela fala que não pode”.
Mas, e aí? As piadas estão
ficando mais maliciosas ou será que o nosso país mudou? Para Edgar Quintanilha,
19, humorista e ator, a sociedade mudou sua concepção de mundo. “Piadas de
cunho sexual e com palavras chulas sempre existiram. Porém, com a moda do
‘politicamente correto’ a tolerância por parte de alguns tem diminuído, e daí
vêm as críticas”, expõe.
Núñez acha que são as duas
coisas. “Toda piada tem algum tipo de malícia ou visão crítica. O que acredito
é que as pessoas estão cada vez menos tolerantes com tudo: com o próximo, com
as brincadeiras e com as críticas”, diz. Para Alaska, o mundo está ficando
chato. “Não se pode brincar com mais nada! Mas, por outro lado, acho que temos
que saber a maneira como brincar com certas coisas”, fala.
“TODA PIADA TEM UMA VÍTIMA”
Allan Bennatti afirma que o
politicamente correto é torto e o maior alimentador do preconceito. “Mudar o nome
de negro ou preto para afro-brasileiro é dizer que é ofensivo chamá-lo de negro
ou preto, mas a ofensa não está na situação da cor, e sim na maneira como se
fala. Mudemos então de branco para euro-brasileiro”, completa.
Berg sente que as pessoas
estão ficando mais “sensíveis”, em relação às piadas. Para ele, isso é um
reflexo da liberdade da internet. “Hoje em dia, do mesmo jeito que você
consegue expressar sua opinião ou fazer uma piada chegar às pessoas de maneira
mais fácil, através da internet, a crítica também chega”, diz. Para ele, está
faltando “a muitas pessoas rirem de si mesmas”.
— Acho que a pessoa que não
aceita uma piada onde ela é atingida, deveria parar de rir de outras piadas
onde se tem uma vítima: toda piada tem uma!